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sábado, 20 de abril de 2013

UM CONTO DA VIDA REAL

Baseado em fato verídico

           Era início da primavera... pelos idos de 1941.
Abílio contava quatorze ansiosos anos. Ele tinha um enorme desejo de alcançar logo os dezoito. Sua maioridade significava a liberdade para a realização de um sonho que ainda lhe parecia longínquo. Toda tarde subia no morro defronte a sua casa e admirava a paisagem que se estendia ao longe. Quando crescesse, desvendaria aquela distância. Precisava saber o que existia além dela.
            Embora seu sonho fosse voar, ele aprendeu o ofício que lhe era possível: tornou-se mecânico. Trabalhou duro na oficina de Seu Dondon – e não dispensava serviço extra nos feriados - tudo para juntar mais dinheiro e um dia partir. Abílio mostrou-se habilíssimo em motores. Cada dia que contava escurecer, via clarear no horizonte a possibilidade de ultrapassar aquelas montanhas.
            Sua mãe, Regina, que tivera nove filhos - três mulheres e seis homens – enviuvara cedo. Seu marido, derrotado pelo vício do álcool, sucumbira junto com a bebida. Religiosa, sentindo-se amparada por Deus, não desanimou, batalhou nas plantações e criou seus filhos com o suor do rosto, o esforço dos braços e sempre trazendo um sorriso aberto nos lábios.
            Apesar de analfabeta, sem cobrar nenhum tostão, ela era a parteira oficial da região. Segundo os cálculos dos matutos antigos, ela já fizera pra mais de trezentos partos – “e não mascou nenhum” – garantiam como elogio para aquelas santas mãos calejadas.
            O fato é que Abílio ganhou dinheiro e idade. Mesmo contra a insistência da mãe, que implorava para que ele não fosse, Abílio encasquetou. Porém, para não despertar sofrimento maior, disse que faria apenas uma viagem de turismo até a Capital.
Com sua mala pronta, se despediu do pessoal choroso e partiu.
            A criação de Deus, além das montanhas, alegrava o matuto. Pisou na Capital como quem desce no paraíso e vislumbra o Todo-Poderoso de braços abertos sorrindo à sua espera.
            Fez novas amizades e pelo conhecimento que tinha em motores, Abílio foi convidado para manejar o guindaste do porto. Ele gostava de altura e de cima da máquina avistava grande parte da cidade.
            No primeiro final de semana, Abílio fez uma visita ao Convento da Penha. Ali, do alto do morro, se extasiou. A curvatura da Terra era notável na linha do horizonte. Com certeza, após aquela tênue linha que parecia flutuar nas águas salgadas, havia outra, e outra, e tantas mais até avistar terra novamente.
            Sua meta de vida passou a ser ganhar mais dinheiro para atravessar aquela linha. Engajou-se em trabalhos extras como sempre fizera.
Num dia de sol claro, o destino lhe abriu uma porta estranha. Mesmo atarefado em seu guindaste ele avistou, ao longe, um avião. Seu sonho voou para o céu. Não deixaria passar essa oportunidade. “Um dia vou estar lá em cima.” Abílio fez essa promessa e voltou ao trabalho.
            O destino lhe aguçou a curiosidade quando lhe ofereceu um final de semana sem serviço, nem compromisso. Os olhos de Abílio faiscaram de alegria ao se imaginar vendo um avião levantando voo bem de pertinho. Embarcou num ônibus direto para o aeroporto.
Entrou no saguão e algo o desanimou. Nenhum avião pousado, ninguém aguardando embarque, isso significava que, por horas, provavelmente, nada aconteceria. Sentou em frente a uma porta de vidro apenas para admirar a extensão da pista.
Quis o destino - mais uma vez - que um pequeno avião fizesse um pouso de emergência por problemas no motor.
Abílio postou-se atento às manobras. Estranhou a correria de alguns funcionários. Conversou com uma pessoa que conhecia o esquema do aeroporto e descobriu o motivo do pouso.
            Abílio, curioso, foi se achegando na área interna onde se encontrava o aeroplano. Dois passageiros desceram reclamando e amparando uma moça que passava mal, talvez comovida pelo susto que levara.
            Abílio, sisudo, se pôs a observar o estado da máquina. Esticava o pescoço de longe sobre os ombros dos que, autorizados na manutenção, mexiam daqui e dali no motor do aparelho.
            Após muita confabulação e tentativas, não descobriram o defeito e cruzaram os braços. Abílio, meio tímido, se aproximou mais um pouco da aeronave. Depois de dois movimentos de pescoço, indicou a peça que apresentava pequena avaria, mas que, para o funcionamento do motor, era preciso a sua troca.
            Os profissionais – qualificados - se assustaram. Não tinham atinado para o tal defeito. Rapidamente se puseram na substituição da peça. O piloto subiu para testar se funcionaria. Para surpresa de todos, menos para Abílio, o motor ligou com um barulho suave. Todos sorriram satisfeitos, menos Abílio, pois para ele não tinha nenhuma graça ver um motor funcionando no chão.
            Mas o destino traiçoeiro sabe agradecer. E quando perguntaram para Abílio como poderiam retribuir o grande favor... ele não teve dúvida:
            - Um voo sobre a cidade seria recebido de bom grado...
            E foi dessa forma o agradecimento, já que Abílio, expusera, acabrunhadamente, que nunca voara na vida.
            Ao ouvir que seu pedido fora aprovado, foi como se tivessem dito que ele receberia, para toda a vida, um par de asas e que poderia voar para onde bem entendesse.
            Se do morro do Convento da Penha ele avistava o final do horizonte, lá do alto talvez pudesse ver Deus...!
            Como o avião pousou sem nenhum lugar vago, a moça que viera com a tripulação, ficou em terra para que Abílio pudesse fazer o passeio.
            Assim ocorreu.
Levantaram um voo tranquilo e subiram. Sumiram na distância e das vistas das pessoas. Enquanto eles passeavam, todos buscaram o que fazer. A senhora entrou na sala de recepção do aeroporto, sentou-se e ficou a esperar. Vinte minutos se passavam e todos atentaram os ouvidos, mas nenhum barulho de avião. Trinta minutos e a senhora levantou-se. Andou pela pista de pouso. Observou o céu e nada. Quarenta e cinco minutos e todos do aeroporto se movimentavam com binóculos enquanto outro chamava pela telefonista.
E nunca mais foram vistos. Nem passageiros, nem tripulação, nem aeronave.
A senhora que ficou esperando, cansou e foi embora num táxi.
            A mãe de Abílio não se conformou com a notícia. Peregrinou em busca de informações. Porém, dada à tecnologia da época, mesmo percorrendo quase todos os aeroportos do país, nada colheu.
            Resolveu consultar um religioso que fazia muito sucesso, considerado quase um “santo vivo”, por ser capaz de relatar, por visões espirituais, o sucedido com pessoas desaparecidas.
            - Mulher, quantos filhos tivestes? - perguntou o Sacerdote, parecendo sabedor da resposta.
            - Nove, Padre - respondeu humildemente.
            - Teu gesto é louvável, mãe. Porém, a Santíssima Virgem Maria teve apenas um... e O presenciou morrer na cruz.
            Ela entendeu o recado e mesmo de mãos vazias, voltou conformada para a sua casa. Contam seus ex-vizinhos que todas as manhãs, ao abrir a porta, ela esticava o olhar na distância das campinas, na esperança de ver seu filho regressando.
            Essa esperança morreu velhinha com ela, aos 98 anos de idade.
            Uns comentavam que o avião caiu em alto-mar. Outros afirmavam que todos eles resolveram sumir no mundo.
            Ainda há, entre os seus conterrâneos, quem garanta que Abílio foi o primeiro ser humano abduzido do Planeta. Mas eu creio que ele convive com sereias e tritões. E, quiçá, um dia volte, com poderes magníficos e com a mesma idade que partiu.

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