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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

UM CONTO DE MILHÕES


Genaro era um senhor que tinha um único sonho: ganhar na mega-sena acumulada. Tanto que só apostava quando o valor fazia inveja à ganância.
Certa feita, o montante do prêmio ultrapassou os noventa milhões de reais; ele, como sempre, preparou sua “fezinha” em números rebuscados nas tumbas do cemitério. Coletou datas de nascimento e morte de alguns entes queridos e marcou seu volante com seis números esotéricos - pois acreditava que o “outro lado” conspirava a seu favor.
Humberlino, amigo, primo e confidente do único sonho de Genaro, numa sexta-feira, a fim de pegar uma foice emprestada, lhe fez uma visita.
Não é que o destino preparou uma pegadinha daquelas para os dois?
Sem querer, Humberlino, ao entrar na sala da casa de Genaro, deparou com o volante preenchido sobre a mesa. Foi aí que ele teve uma ideia bem-humorada:
- “Vou brincar com o primo Genaro...!”
Copiou os números num papel, enfiou no bolso e depois se apresentou escandaloso:
- Ô Genaro...! Cadê você homem...!
Genaro veio da cozinha e os dois saíram da sala num papo animado e descontraído, já que, o parentesco e a convivência diária, os tornavam quase mais que irmãos.
No domingo de manhã, bem cedinho, antes da missa, Humberlino dispara rumo à casa de Genaro. Lógico que a desculpa de seu aparecimento era a de devolver a foice, mas no fundo mesmo, ele queria concluir a ideia que tivera na sexta-feira.
Assim o fez.
- Genaro...! Devolvo aqui a sua foice... e bem amolada – e inventou: - Ah! Num sabe!... O Constâncio disse hoje, que faturou a quadra da mega-sena. Ele até me deu o resultado num papel. Eu não jogo nisso. Você jogou? – perguntou sem interesse.
- Joguei e ainda não conferi... Vou pegar meu bilhete.
Genaro entrou em casa e saiu num piscar de olhos, sentou num banco e ordenou:
- Fale os números sorteados.
Humberlino, calmamente, retirou do bolso a cópia que fizera e começou a ditar:
- Quinze... Dezoito... Dezenove... - parou de falar e observou Genaro que estava de olhos fixos no bilhete.
Humberlino prosseguiu:
- Trinta e dois...
Genaro permaneceu em silêncio. Humberlino ditou mais um:
- Quarenta e seis.
Genaro repetiu:
- Quatro... meia? - perguntou só para tirar a dúvida entre o “três” e “seis”.
- Isso mesmo, quarenta e seis - confirmou Humberlino.
A demora do próximo número inquietou Genaro:
- Fala logo o último número – reclamou, aparentemente, sem emoção na voz.
Humberlino deslanchou rápido:
- Cinquenta e sete – e aguardou a reação de Genaro. Esse número não gerava confusão, portanto, não precisaria ser repetido.
Genaro, estático, olhava o bilhete.
Humberlino queria rir, mas achou que ainda era cedo. Aguardaria um pouco mais. Tiraria um sarro do primo. Deixá-lo-ia festejar e fazer muitos planos. Dizer até quantos milhões lhe daria. Porém, Genaro não se moveu. Quando Humberlino lhe tocou, o homem já estava frio. Humberlino tomou um susto.
Genaro falecera sentado, de olhos abertos, fixos no bilhete premiado e, com certeza, feliz da vida por ter realizado seu sonho.
Humberlino, com a alma em frangalhos, sentindo-se um crápula, culpando-se pela morte do primo, saiu desesperado chamando por todos.
Logo juntou um monte de curiosos e Humberlino, embora cheio de remorsos, não denunciou a sua brincadeira, disse apenas que foi devolver a foice e encontrou o primo, já morto, no banco.
- Também pudera – exclamou um que se aproximou olhando para o bilhete que Genaro ainda segurava nas mãos –, o bilhete dele tem os mesmos números do resultado da mega-sena de hoje...!
A culpa e o remorso de Humberlino compareceram ao velório... conformados.

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